Precisamos falar sobre o esmagamento da confiança criativa

Podemos desenvolver a criatividade?

Criatividade

As pessoas nascem criativas ou criatividade é algo que podemos praticar e desenvolver? 

Antes de responder, vou reiterar algo que já venho argumentando em outros conteúdos. O pensamento criativo (disruptivo, não-linear, exponencial) é o que permite o sucesso e o crescimento de empresas e negócios atualmente. Facebook, Google, Uber, Airbnb ou mesmo as tradicionais General Electric e P&G, que souberam implementar soluções criativas e rápidas para se manterem relevantes. 

Não é à toa que existem diferentes pesquisas em diversos países e contextos que apontam a criatividade como habilidade essencial para o sucesso em qualquer disciplina ou segmento. E por isso mesmo, a característica mais procurada nos líderes atualmente. 

Acontece que, indo contra o desenvolvimento dessa habilidade tão relevante, a maioria dos modelos de educação formal e socialização que recebemos ao longo da vida ainda sufoca esse impulso criativo. Desde crianças, muitos de nós começamos a ser ensinados que devemos ser mais cautelosos, analíticos e menos imaginativos. É aí que o mundo parece se dividir em “criativos” e “não criativos”, e que muitas pessoas se resignam à segunda categoria. 

David Kelley, fundador da empresa global de design e inovação IDEO e do Instituto de Design Hasso Plattner da Universidade Stanford (d.school), é referência para muitos (inclusive para mim) quando o assunto é confiança criativa. O guia de David Kelley para construir “Confiança Criativa” é uma das TED Talks mais relevantes e assistidas da história (veja aqui) e vale muito a pena. Ele também vai ajudar a responder à pergunta do início do texto. 

Nós, seres humanos, recebemos inspiração de diferentes fontes: algo que vimos, ouvimos ou sentimos durante nossa jornada e, principalmente, pessoas. Kelley acredita que nossa capacidade de ser criativo é restringida apenas por nossas próprias inibições. Na verdade, pelo nosso profundo medo de críticas e julgamentos sobre algum esforço criativo vindo do outro. 

Geralmente essa perda de confiança criativa nos atinge ainda na infância. Como David Kelley narra no TED Talks para exemplificar, seu melhor amigo, Brian, encontrou um pedaço de argila e começou a moldar um cavalo. Vendo isso, um dos colegas da classe o criticou pela aparência do cavalo. O feedback negativo fez Brian jogar a argila no lixo e nunca mais iniciar outro processo criativo. 

Assim como Brian, muitos tiveram sua criatividade esmagada e tornaram-se pessoas que não se consideram do “tipo criativo”. Falta de confiança e medo do julgamento impedem muita gente de manter o processo e se surpreender. 

Maestria guiada 

Kelley desenvolveu ferramentas e processos para destravar e desinibir a criatividade. Para isso, ele menciona a importância do psicólogo Dr. Albert Bandura, especializado em ajudar pessoas a superarem suas fobias por meio de uma série de pequenos passos. Dr. Bandura chama a metodologia de “maestria guiada” que, em seu resultado, permite que as pessoas adquiram uma nova confiança, a “autoeficácia”. Isso dá uma sensação de poder mudar o mundo e alcançar aquilo que se propôs a fazer acreditando em si mesmo. 

Ao adotar a maestria guiada para estimular o processo criativo, Kelley responde à questão: as pessoas nascem naturalmente criativas, mas deixam de acreditar em seu potencial criativo e precisam recuperar a confiança perdida. 

Claro que não é tão simples, afinal, a metodologia exige processos e disposição. Mas, sabendo que não é necessário aprender criatividade, a trilha fica mais fácil de ser acessada, porque é um trabalho de redescoberta. A confiança criativa, essa capacidade natural de criar novas ideias e ter coragem para experimentá-las, está lá. Você precisa superar quatro medos que prendem a maioria de nós: 

  • Medo do desconhecido confuso: ficar sentado atrás de uma mesa em um ambiente tranquilo e familiar pode ser aconchegante, confortável e “seguro”, mas você só encontra evolução e insights ao lidar com descobertas inesperadas, com incerteza e com pessoas irracionais que dizem coisas que você não quer ouvir. 
  • Medo de ser julgado: a maioria de nós acredita que quando estamos aprendendo algo novo, os outros estão observando e julgando. Por isso, nos “auto-editamos”, matando ideias potencialmente criativas por medo de nos verem falhar. Metade do caminho é ouvir sua própria intuição e abraçar mais suas ideias (boas e más) em vez de deixar os pensamentos escorrerem pelo ralo. Depois, vá expondo e experimentando, aos poucos. 
  • Medo do primeiro passo: esforços criativos são mais difíceis no início. Traçar um novo caminho ou sair de um fluxo previsível causa medo e podem travar ideias. O caminho é parar de planejar e começar. Pare de se concentrar na tarefa geral, que pode ser grande e assustadora, e encontre uma pequena peça que você possa enfrentar de imediato. 
  • Medo de perder o controle: quando abandona o status quo e trabalha de forma colaborativa, você sacrifica o controle sobre seu produto, sua equipe e sua empresa, e isso causa medo se você não libera o pensamento exponencial. Procure oportunidades para ceder o controle e alavancar diferentes perspectivas, aos poucos, e perceberá quantos insights e boas ideias vão surgir. 

Mais fácil falar do que fazer, você pode estar pensando. Mas entendendo a inspiração da metodologia – o tratamento para que as pessoas superem até mesmo seus medos mais profundos – você percebe que é possível transcender os medos que bloqueiam a criatividade quebrando os desafios em pequenos passos e, em seguida, (re)construindo a confiança. 

Afinal, criatividade é algo que você já tem, mas precisa colocar em prática, sempre. 

Para fechar, vou compartilhar 3 dicas do livro Confiança criativa: libere sua criatividade e implemente suas ideias, de Tom Kelley e David Kelley. 

  1. Tenha empatia 

Doug Dietz, designer de equipamentos médicos da GE que trabalha em um hospital e aluno de Kelley, encontrou um problema: 80% das crianças tinham que ser sedadas antes de serem escaneadas pelos equipamentos desenvolvidos pela empresa. Emocionalmente envolvido ao ver uma menina chorando para entrar no equipamento, Doug, com a ajuda de sua equipe hospitalar, transformou toda a experiência do exame, redesenhando a máquina e a sala como um navio pirata no mar. Como resultado, apenas 10% das crianças precisavam de sedação. Ter empatia e aplicar soluções criativas aos problemas do dia a dia pode realmente trazer uma mudança quantificável e compensadora. Nos negócios, lembre-se que números são pessoas. 

  1. Quanto mais ideias e fontes de inspiração, melhor 

Estar aberto a novas fontes de inovação é a chave para manter seu pensamento atualizado. O chefe da UTI pediátrica de um hospital em Londres teve uma inspiração ao assistir a Fórmula 1: ele mapeou as técnicas de uma equipe de serviço da Ferrari (eficiência, precisão e sequência) e as implementou na transição dos pacientes da cirurgia para UTI. Na prática, os erros técnicos foram reduzidos em 42% e os erros de informação em 49%. As ideias devem ser abundantes, fáceis e compartilhadas, porque simplesmente decidir ser criativo não garante criatividade. Como um músculo, a criatividade deve ser mantida com alongamentos leves e regulares. TED Talks, artigos, redes sociais, um novo blog, um livro, uma corrida de Fórmula 1. Absorva as ideias de onde vierem. E faça reuniões com grupos de colegas, brainstorming, trocas. A criatividade pode (e deve) ser um esporte em equipe. 

  1. Aprenda fazendo, mas comece logo 

Um instrutor de cerâmica divide sua aula em dois grupos durante o semestre. Um grupo é avaliado pela qualidade de uma peça. O outro, de acordo com a quantidade de trabalhos executados. No experimento, os membros do grupo de qualidade trabalharam meticulosamente na criação de uma peça perfeita, já o time da quantidade jogou potes e mais potes em suas rodas. Eles foram todos bons? Não! Mas os melhores potes ao final do curso vieram daqueles que passaram mais tempo aprimorando suas habilidades, pote por pote. Para fazer algo incrível é preciso começar a fazer. Perfeição não é inimiga do feito. Uma estratégia digital não será feita por um único conteúdo. Faça o seu melhor, não se estresse para tentar estar “certo” e aprenda com cada publicação. Aprenda fazendo, pote após pote, o que funciona e o que não funciona para você. 

Ser criativo não significa, necessariamente, começar do zero, mas sim conseguir adicionar uma contribuição criativa e gerar impacto positivo.