A necessária (e urgente) reinvenção das organizações

Impacto real e positivo.

Futuro

Se os esforços de uma empresa em ajustar sua cultura organizacional/corporativa causam mais problemas e desmotivação na equipe, pode significar que a organização está se empenhando em algo que já não faz sentido ao invés de investir em tendências que efetivamente vão causar impactos reais. É preciso reinventar não apenas a cultura, mas sim a organização como um todo. 

Algumas situações foram acentuadas pela pandemia – mas não surgiram com ela – como o “faça você mesmo”, a necessidade de preparar pessoas para serem criativas do jeito que vivem e a urgência em ajudar funcionários a encontrarem novamente seu lugar com as experiências certas. Trata-se de uma infraestrutura líquida, na qual a empresa se redesenha para entregar satisfação do primeiro ao último instante.  

Em resumo as empresas podem (e precisam) tornar a vida mais gratificante para seus colaboradores, alcançando um novo nível de desenvolvimento baseado na confiança e na colaboração. Isso é autogestão.  

Em seu livro de 2014, Reinventando Organizações, o iconoclasta organizacional Frederic Laloux explica como as organizações evoluíram ao longo de diferentes períodos históricos e descreve dois paradigmas modernos como os modelos ideais para criar uma cultura corporativa colaborativa e visando lucros. 

A obra de Laloux pode causar a impressão de que ele descreve um mundo distante e utópico, mas é importante observar como o mundo mudou nos últimos sete anos – desde o lançamento do livro – e como o autor fala, já no livro, de experiências e empresas reais. 

Aqui vou compartilhar algumas premissas desse autor para mostrar como nós podemos ter organizações, líderes e colaboradores muito mais satisfeitos.  

Um pouco de contexto histórico 

Ao longo dos séculos, as organizações deram grandes contribuições para a humanidade. Do aumento da expectativa de vida à eliminação de doenças, passando pelo acesso a educação e desenvolvimento de produtos e serviços que aprimoram e tornam a vida mais agradável.  

Os modelos organizacionais evoluíram em sete estágios, assim como a consciência da sociedade. De acordo com as pesquisas de Frederic Laloux, a linha do tempo desses paradigmas evolutivos é esta: 

  1. Paradigma Reativo-Infravermelho – entre 100.000 a 50.000 a.C., quando as pessoas se reuniam em pequenos grupos familiares. 
  1. Paradigma Mágico-Magenta – 15.000 anos atrás, quando as pessoas se reuniam em tribos de cerca de 200 pessoas e se envolviam em rituais sob liderança de xamãs e anciãos. 
  1. Paradigma Impulsivo-Vermelho – 10.000 anos atrás, “chefes” formaram organizações Vermelhas na forma de exércitos saqueadores (gangues de rua e máfias, no paralelo atual) relativamente pequenos, mas com líderes exercendo uma autoridade feroz. Orientadas ao presente, lidam efetivamente com ameaças imediatas e repentinas, mas são fracas em planejamento e estratégia. 
  1. Paradigma Conformista-Âmbar – 4.000 a.C., quando a agricultura evolui a partir da horticultura e o mundo passou a ser dominado por estados, civilizações, instituições, burocracias e religiões organizadas, as pessoas passam a reverenciar a ordem, a estabilidade e a previsibilidade. Formam-se sociedades que dependem de sistemas hierárquicos de comando e controle, como a Igreja Católica, as forças armadas e o sistema escolar público. 
  1. Paradigma Realizador-Laranja – desde a Segunda Guerra Mundial, o mundo ocidental opera sob este paradigma, no qual as organizações enfatizam a eficácia e não as regras e modelos imutáveis: “a melhor decisão é a que gera os melhores resultados”. A maioria das empresas globais é assim e escolhe priorizar a experiência. Mas há um lado sombrio: ganância corporativa, curto prazo político, consumo excessivo e exploração dos recursos e ecossistemas do planeta.  

E aqui chegamos aos paradigmas emergentes, que estão em curso agora: 

  • Paradigma Pluralista-Verde – modelo de pensamento organizacional que busca justiça, igualdade, harmonia, comunidade, cooperação e consenso. 
  • Paradigma Evolutivo-Teal – nível de autorrealização da “hierarquia das necessidades” de Abraham Maslow. A consciência Teal é refinada e elegante. As organizações Teal tomam decisões baseadas na confiança e na colaboração. 

Em cada paradigma, os “tomadores de decisão” baseiam suas escolhas em critérios que refletem as filosofias organizacionais. 

Os Vermelhos estão interessados em saber se uma escolha promove os interesses do líder. Os Âmbar vivem questionando se a maioria das pessoas na sua organização vai aceitar a decisão. Os Laranjas tendem a questionar se uma decisão pode trazer sucesso pessoal. Os Verdes querem saber se determinado resultado tem força para gerar harmonia.  

A verdade é que precisamos de novos tipos de organizações, negócios mais intencionais, escolas mais íntimas, organizações sem fins lucrativos mais produtivas. 

Nesse ponto entram as organizações Teal. Nelas, o tomador de decisão se pergunta se sua decisão parece correta e se ele está sendo útil para a organização. Esses executivos, geralmente eles mesmos os fundadores da empresa, enxergam a organização como um organismo ou sistema vivo que evolui para um estado desejável de “integralidade, complexidade e consciência”. 

Reinvenção Teal 

As organizações Teal atuam nos setores público, privado e sem fins lucrativos. Os exemplos incluem a AES, empresa global de produção e distribuição de eletricidade, com 40.000 funcionários; a Morning Star, empresa de processamento de tomates da Costa Oeste dos EUA, com 2.400 funcionários; e a fundição francesa FAVI.  

Vamos usar essa última para entender mais sobre Teal. Desde os anos 50, a FAVI produz garfos para caixas de câmbio automotivas e componentes para motores elétricos, hidrômetros e equipamentos hospitalares. Ela domina seu nicho e detém 50% do mercado desses garfos. A empresa conquistou uma reputação superior em qualidade e não atrasa na entrega de pedidos desde o final dos anos 80. Apesar dos salários mais altos do que concorrentes que se mudaram para a China, ela segue na França e é muito lucrativa. 

Seu ex-CEO, Jean-François Zobrist, com grande experiência em paraquedismo, foi quem transformou a FAVI em uma organização Teal em apenas dois anos. A empresa passou a operar com 21 equipes (minifábricas) especiais de 15 a 35 trabalhadores. Cada equipe atende a um cliente: equipe Volkswagen, equipe Audi, equipe Volvo, equipe de hidrômetros, e assim por diante. Cada uma também gerencia o seu próprio segmento de mercado.  

A empresa não possui departamentos “tradicionais”, como RH, engenharia, TI e compras. As equipes individuais lidam com sua própria organização nesses setores. A FAVI também não possui departamento de vendas. Cada equipe estabelece seu próprio orçamento de investimento e lida com o cliente.  

Também não há reuniões de executivos. As mesmas equipes individuais tomam as suas próprias decisões em sessões táticas realizadas antes de cada turno, reuniões de vendas semanais e reuniões mensais de agenda aberta. 

Ou seja, a FAVI é uma organização administrada por operários.  

E quando uma organização se autogerencia dessa forma, as pessoas tomam a iniciativa em todos os níveis, o tempo todo. Assim, a empresa avança sem necessidade de definir estratégias de cima para baixo. 

Antes da Zobrist, a FAVI tinha 80 funcionários, agora são 500. Em um ano médio, os trabalhadores recebem uma participação nos lucros referente a 17 ou 18 meses de salário. A margem de lucro após impostos é de 5% a 7%. 

Nota importante sobre esse case: quando as pessoas trabalham em pequenas equipes com base na confiança e têm recursos e poder para tomar decisões que consideram necessárias, coisas extraordinárias acontecem. 

A transição não é fácil 

O case da FAVI é inspirador e ajuda a entender que qualquer empresa ou organização pode se tornar Teal caso o seu CEO atue com a perspectiva correta e seus membros adotem a filosofia. A gestão Teal não pode ser bem-sucedida sem o apoio ativo dos líderes e gerentes.  

E é por isso que a transição não é simples. Aliás, é mais fácil criar uma organização Teal do que tentar transformá-la mais tarde, quando os gerentes talvez encarem uma mudança no sistema como uma ameaça.  

Afinal, será que as pessoas estão de fato prontas para trabalhar em uma organização evolutiva? 

Antes de tornar uma organização Teal, talvez seja preciso reinventar pessoas, líderes e CEOs.  

Atributos Teal 

Para identificar uma organização como Teal, é necessário possuir três características distintas: 

  1. Autogestão: hierarquia não é relevante nem consensual. As organizações Teal gerem seus processos por meio de relacionamentos entre pares.  
  1. Integralidade: organizações Teal acreditam que a racionalidade é importante acima de tudo, e buscam colaboradores que formem um grupo coeso e sempre em evolução. 
  1. Propósito evolutivo: o norte das organizações Teal é sempre a evolução (o que elas fazem, a quem servem e como desejam evoluir). 

Outras características dessas organizações: 

  • Valores compartilhados 
  • Espaços reflexivos  
  • Compartilhamento de histórias  
  • Lugar seguro 
  • Lideranças acessíveis 
  • Bom senso  

As organizações Teal incentivam seus funcionários a utilizarem sua intuição inata como parte da determinação do que precisam fazer a seguir, qual decisão devem tomar. Por isso, não dependem do CEO ou dos executivos seniores para planejar a estratégia. Esse planejamento surge organicamente da própria equipe. As metas de vendas corporativas também costumam ser definidas pelos funcionários. 

Observo essa tendência de organizações Teal e desejo em breve ver exemplos brasileiros bem-sucedidos com essa filosofia, tão necessária e fundamental.  

Fica aqui minha reflexão e provocação para meus pares que também querem imprimir uma verdadeira reinvenção nos negócios: é impossível aprender a nadar sem entrar na piscina.